Economia comportamental aplicada: práticas de gestão e desenvolvimento de pessoas

Volume 41 Nº 1 (2025) REGEM jun 2025
ISSN 2763-8022 (International Standard Serial Number)
por Saulo Carvalho, MSc.
*direitos reservados ©. Texto com liberdade de citação: CARVALHO, S.
O que você irá ler nesse artigo:
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Este artigo propõe uma análise crítica, técnica e aplicada da Economia Comportamental enquanto instrumento integrador e transdisciplinar da Gestão, especialmente quando observada sob a lente do desenvolvimento organizacional e do comportamento humano nas empresas.
Partindo de uma leitura ancorada em minha experiência como consultor empresarial, mentor de lideranças e pesquisador em Administração de Empresas, ensaio aqui um panorama analítico de como os elementos comportamentais impactam os sistemas de decisão, os processos de gestão e o desempenho das pessoas. Dialogo com os meus próprios artigos anteriormente publicados na REGEM e com minha dissertação de mestrado pela UNITAU (“Trabalhadores em atividades marginais: estudo no município de São José dos Campos”).
Este estudo nasce de uma crítica aberta aos modelos tradicionais de racionalidade instrumental, propõe reflexões práticas para gestores e traz um capítulo específico sobre como aplicar a Economia Comportamental no desenvolvimento profissional de pessoas, com proposições inovadoras e estratégicas.
É inegável que a remuneração financeira continua sendo um dos principais motivadores do comportamento humano no ambiente organizacional. Afinal, a segurança financeira permanece como uma necessidade básica, amplamente reconhecida na base da pirâmide de Maslow. No entanto, reduzir a motivação humana ao fator monetário é um erro gerencial clássico, ainda recorrente em práticas de gestão ultrapassadas.
A contemporaneidade exige uma compreensão mais ampla e integrada do que mobiliza indivíduos e empresas a se engajarem de forma duradoura.
Reconhecer o valor da remuneração é essencial, mas insuficiente. A gestão estratégica de pessoas exige o alinhamento entre recompensas extrínsecas (financeiras) e motivações intrínsecas (propósito e identidade profissional). Aquelas organizações que compreendem essa dualidade e a integram em seus sistemas de avaliação, desenvolvimento e comunicação interna, colhem benefícios tangíveis em desempenho, clima organizacional e sustentabilidade do negócio.
O que é Economia Comportamental?
Economia Comportamental: quando o irracional faz mais sentido do que parece
Você ainda acredita que as pessoas tomam decisões 100% racionais? Que o consumidor, o colaborador ou o líder sempre age baseado em lógica, cálculo e previsibilidade?
Seja bem-vinda e bem-vindo à realidade. Ou melhor: à Economia Comportamental, campo que prova que a irracionalidade é, sim, parte da equação e pode ser prevista, analisada e até utilizada estrategicamente na gestão.
O conceito foi desenvolvido por Daniel Kahneman e Amos Tversky, psicólogos que romperam as fronteiras entre psicologia cognitiva e economia tradicional. Kahneman, aliás, recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2002, justamente por demonstrar que nossos julgamentos e decisões estão longe de serem puramente racionais por serem enviesados, influenciados por heurísticas, emoções e contextos.
Mas o que isso tem a ver com Gestão, Liderança ou Desenvolvimento de Pessoas?
Tudo!
Na prática da gestão organizacional, como já abordei em artigos na REGEM (Revista de Gestão e Marketing), entender o comportamento humano com base em vieses cognitivos e gatilhos mentais pode ser o divisor de águas entre liderar times de verdade ou apenas coordenar tarefas.
Quer exemplos?
O viés de confirmação impacta diretamente nas decisões de líderes que só escutam o que reforça sua crença prévia.
A aversão à perda explica por que tantos colaboradores resistem à mudança mesmo quando ela é benéfica.
O efeito ancoragem influencia percepções sobre metas, salários e até feedbacks.
Quando aplicamos esse olhar comportamental ao desenvolvimento de pessoas, ao design de incentivos, à arquitetura de escolhas (o famoso nudge, de Richard Thaler, também Nobel de Economia em 2017), começamos a construir ambientes mais inteligentes. Que respeitam os limites humanos e ampliam seu potencial.
Não se trata de manipular. Trata-se de entender: liderar com base na Economia Comportamental é reconhecer que o ser humano não é uma planilha, é um sistema complexo de emoções, crenças, desejos e medos. E quando você desenha estratégias considerando isso, sua gestão deixa de ser apenas eficiente: ela se torna efetiva.
Reflexões iniciaisTem gente que ainda insiste em tratar a gestão de negócios como se fosse uma ciência exata. Como se as decisões estratégicas fossem sempre embasadas exclusivamente em dados, números, KPIs, benchmarks e planilhas. Como se o comportamento humano fosse apenas um ruído (um acaso, uma variável a ser ignorada ou, no máximo, suavizada).
Tem gente que insiste em ver pessoas como se fossem processos otimizáveis, colaboradores como engrenagens, e lideranças como algoritmos de repetição. Nesse cenário, o pensamento econômico clássico ainda se mantém vivo — firme e, infelizmente, mal contextualizado — em boa parte das salas de reunião e dos manuais empresariais.
Mas quem vive o mundo das organizações sabe: nenhuma decisão é tomada sem que haja um componente comportamental, subjetivo e, muitas vezes, emocional. Ignorar isso não é apenas ingenuidade gerencial. É, na verdade, uma ineficiência embalada em um verniz de tecnicismo.
Falo isso não apenas a partir da teoria, mas da prática cotidiana. São trinta anos caminhando ao lado de gestores, lideranças e trabalhadores nos mais diversos contextos organizacionais. E posso afirmar com convicção: o que move uma equipe, o que engaja uma liderança, o que sustenta uma cultura, dificilmente está apenas nos indicadores. Está nas conversas de corredor, nos silêncios das reuniões, nos conflitos não mediados e, sobretudo, nas decisões invisíveis que as pessoas tomam todos os dias — quase sempre baseadas mais em percepções do que em dados.
Este artigo nasce, portanto, de um incômodo. De uma fricção entre o que a teoria clássica prega e o que, de fato, se vive nas empresas.
O que move uma equipe? Por que um gestor mantém um colaborador desengajado apenas por lealdade emocional? Por que ainda investimos tanto em treinamentos que ignoram o funcionamento real da mente humana? Por que acreditamos que planilhas convencem mais do que a confiança construída ao longo de uma conversa informal?
As perguntas são muitas. As respostas, nem sempre evidentes. Mas o caminho que proponho aqui é um: olhar para a Economia Comportamental não como curiosidade acadêmica, mas como ferramenta essencial para repensar a gestão dos negócios e o desenvolvimento das pessoas.
Economia Comportamental não é uma economia paralela ou alternativa. É uma lente. Uma lente que nos ajuda a enxergar como as pessoas realmente decidem, erram, hesitam, agem e reagem. Ao contrário do que muitos pensam, não é uma psicologia disfarçada de economia. É uma ponte entre o comportamento humano e os sistemas de decisão. Uma ciência que nos revela o que os manuais ignoram: que ser humano é ser contraditório, e que, justamente por isso, gestores precisam abandonar sua busca por previsibilidade absoluta e começar a lidar com a complexidade real das relações humanas.
Ao longo dos próximos capítulos, trago reflexões profundas, provocações conscientes e aplicações práticas. Este artigo está estruturado para percorrer desde os limites da racionalidade gerencial até estratégias concretas para aplicar os princípios comportamentais na liderança, na arquitetura de escolhas e no desenvolvimento profissional.
Em especial, dialogo com os achados da minha dissertação de mestrado, defendida na UNITAU sob o título “Trabalhadores em Atividades Marginais: estudo no município de São José dos Campos”. Esse estudo me alertou — com dados e vivências reais — sobre como decisões econômicas e profissionais são moldadas por elementos culturais, emocionais e relacionais que raramente aparecem nas teorias tradicionais.
A forma como as pessoas enxergam o trabalho, avaliam oportunidades e constroem estratégias de sobrevivência em contextos adversos, revela um conjunto de comportamentos que, à luz da Economia Comportamental, exigem uma nova leitura e uma nova prática.
A gestão do século XXI não pode mais se dar ao luxo de ignorar o comportamento humano. Ignorar a Economia Comportamental, hoje, é como ignorar o fator humano no cálculo da performance organizacional.
Que este artigo, portanto, vá além do técnico. Que ele te provoque, instigue e convide líderes, gestores, profissionais de DHO (Desenvolvimento Humano e Organizacional) e administradores a repensarem não apenas como gerem pessoas, mas principalmente por que fazem isso da forma como fazem.
Falácias da racionalidade plena na gestão
Durante décadas, a racionalidade plena foi tratada como um dogma nas ciências econômicas e, por extensão, na gestão empresarial. Supunha-se que os indivíduos — inclusive os gestores — tomavam decisões sempre com base em lógica, informações completas e avaliações puramente objetivas. No entanto, essa visão ignora as limitações cognitivas, os atalhos mentais (heurísticas) e os vieses que moldam nossas escolhas.
Na prática, decisões estratégicas não são tomadas em laboratórios, mas em ambientes de alta pressão, com dados incompletos, emoções envolvidas e múltiplos interesses em jogo. A Economia Comportamental, neste contexto, desconstrói o mito do decisor frio e calculista. Mostra que fatores como aversão à perda, excesso de confiança, efeito halo e status quo têm peso significativo nas decisões empresariais.
Para além de desconstruir a racionalidade plena, proponho que gestores passem a observar, com mais atenção, os contextos psicológicos, sociais e organizacionais em que as decisões são tomadas.
Um exemplo prático: quando líderes mantêm processos ineficazes apenas porque foram eles que os criaram, não se trata de eficiência racional, trata-se de dissonância cognitiva.
Reconhecer essas falácias é o primeiro passo para uma gestão mais honesta, mais consciente e mais humana.
Desconstruindo a ilusão da racionalidade plena: uma necessidade para a gestão moderna
Ao longo da minha trajetória como consultor e pesquisador, uma constatação se repetiu com frequência: a crença na racionalidade plena, tão arraigada na teoria econômica clássica, está profundamente desalinhada da realidade organizacional que experimento dia após dia. Essa crença leva gestores a esperar decisões lineares, previsíveis, baseadas exclusivamente em dados quantitativos.
No entanto, minha investigação, principalmente a partir do estudo dos trabalhadores em atividades marginais em São José dos Campos e muitos ensaios construídos sob ótica prática e científica, e publicados na REGEM Revista de Gestão e Marketing, revela um panorama muito mais complexo.
As decisões, sejam elas estratégicas ou operacionais, são tomadas sob uma teia de influências que incluem emoções, experiências prévias, cultura local, nível de confiança nas lideranças e até mesmo a forma como a informação é apresentada — o chamado framing. O conceito clássico de homo economicus, racional e maximizador, é insuficiente para capturar as nuances da realidade. E, para a gestão, isso significa que o planejamento, a avaliação de desempenho, o engajamento e a retenção de talentos não podem ser tratados como problemas somente numéricos.
Por exemplo, em meu artigo “Marketing como Gestão” publicado na REGEM (2022), explorei como o comportamento dos vendedores é impactado por variáveis subjetivas que vão desde o reconhecimento até o medo da rejeição, afetando diretamente a performance comercial. Essa experiência reforça o argumento de que modelos tradicionais de gestão ignoram fatores comportamentais decisivos. Além disso, minha dissertação de mestrado evidenciou como trabalhadores em atividades marginais desenvolvem estratégias de sobrevivência baseadas em avaliações rápidas, heurísticas, e muitas vezes enviesadas, para maximizar seus ganhos diante de contextos economicamente instáveis e precários. O que aprendemos? Que as decisões econômicas são também emocionais, sociais e culturais.
Portanto, para gerir no século XXI, é imperativo abraçar essa complexidade e aplicar os princípios da Economia Comportamental de forma pragmática e inovadora. Isso não é apenas uma questão acadêmica — é uma condição para a sobrevivência e prosperidade organizacional.
Princípios da economia comportamental essenciais para a gestão de negócios
Aqui, proponho que gestores compreendam alguns conceitos-chave da Economia Comportamental que impactam diretamente os resultados das organizações. Vejamos os principais:
- Heurísticas e viéses cognitivos
Heurísticas são atalhos mentais usados para tomar decisões rápidas, mas que frequentemente resultam em erros sistemáticos (os viéses cognitivos). Exemplos comuns nas empresas são:
- Viés de confirmação: gestores tendem a buscar informações que confirmem suas crenças prévias, ignorando dados que possam contradizê-las. Isso reduz a qualidade das decisões estratégicas.
- Ancoragem: a primeira informação recebida influencia excessivamente as decisões subsequentes. Por exemplo, um preço inicial pode definir a percepção de valor, mesmo que não seja o mais justo.
- Aversão à perda: as pessoas preferem evitar perdas a obter ganhos equivalentes, o que pode levar a decisões conservadoras demais.
Esses viéses explicam, em parte, por que muitos projetos inovadores fracassam ou porque negociações travam sem que haja lógica aparente.
Nudge: o empurrãozinho
O conceito de nudge, popularizado por Richard Thaler, destaca a importância de arquitetar escolhas que levem as pessoas a decisões melhores sem restringir sua liberdade. No contexto organizacional, isso pode ser um poderoso aliado.
Em um dos meus artigos anteriores sobre Desenvolvimento de Pessoas e Universidades Corporativas, destaquei como pequenas mudanças na forma de apresentar treinamentos ou feedbacks podem aumentar o engajamento dos colaboradores. Um simples redesign no fluxo de comunicação pode ser um nudge poderoso para criar culturas de aprendizado contínuo.
Framing e a importância da comunicação
Como as informações são apresentadas altera profundamente a percepção e a decisão. A mesma mensagem, quando enquadrada de forma positiva ou negativa, pode produzir reações diametralmente opostas.
Por isso, gestores e líderes precisam dominar essa arte, não para manipular, mas para alinhar expectativas, criar confiança e gerar comprometimento verdadeiro. Isso é essencial para o sucesso de processos como avaliações de desempenho, programas de reconhecimento e campanhas internas.
Aplicação da economia comportamental no desenvolvimento profissional de pessoas
A aplicação prática dos conceitos que discutimos é o que diferencia as organizações que só sobrevivem daquelas que prosperam. Para isso, trago aqui reflexões e estratégias que desenvolvi e implementei em consultorias e que se alinham com as minhas pesquisas.
Diagnóstico comportamental para desenvolvimento personalizado
Entender os perfis comportamentais dos colaboradores vai muito além de aplicar testes padrão. É preciso interpretar esses resultados à luz da cultura organizacional e das condições reais de trabalho. Na dissertação da UNITAU, por exemplo, o olhar aprofundado sobre as trajetórias dos trabalhadores em atividades marginais mostrou que o contexto social e emocional determina comportamentos que modelos genéricos ignoram.
Assim, um diagnóstico comportamental eficaz deve:
- Considerar variáveis culturais e emocionais do ambiente;
- Mapear as principais heurísticas e viéses que influenciam o dia a dia do colaborador;
- Avaliar o impacto desses fatores nas interações, motivação e tomada de decisão.
- Otimizar talentos, reduzir conflitos e aumentar a produtividade, ao avaliar como diferentes perfis comportamentais podem interagir em seus respectivos times alocando-os de forma estratégica.
Programas de desenvolvimento baseados em economia comportamental
Com o diagnóstico feito, o próximo passo é desenhar intervenções alinhadas com a forma como as pessoas realmente pensam e agem.
- Feedback estruturado: utilizando o conceito de framing para garantir que o feedback seja recebido como oportunidade e não ameaça. Aqui, a metodologia 7Self por mim desenvolvida e colocada em prática, tem se mostrada extremamente eficaz no desenvolvimento de pessoas.
- Gamificação com propósito: alavancar o engajamento sem criar competição tóxica, mas estimulando o senso de propósito.
- Ambientes que favorecem o nudge: facilitar escolhas positivas, por exemplo, incentivando a busca por treinamentos que potencializem o desenvolvimento, com lembretes estratégicos e recompensas simbólicas.
Liderança e economia comportamental
Líderes que compreendem esses princípios conseguem criar ambientes psicológicos seguros, fundamentais para a inovação e a colaboração. A liderança passa a ser, assim, uma arte de arquitetar ambientes de decisão, não apenas de ordenar tarefas.
Na minha publicação recente na REGEM sobre Liderança Situacional e Desenvolvimento de Competências, enfatizo que líderes eficazes sabem lidar com a ambiguidade, respeitando a complexidade do comportamento humano. Isso é a essência da gestão comportamental.
Provocação
Refletir sobre a Economia Comportamental no contexto da gestão e do desenvolvimento profissional não é apenas um exercício acadêmico. É uma urgência estratégica. Repito: o “RH” precisa deixar de existir de forma urgente e dar lugar ao DHO.
Ignorar as dimensões emocionais, culturais e cognitivas que norteiam as decisões humanas é condenar as organizações a ciclos de tentativas e erros evitáveis. A racionalidade plena, por mais que desejemos, é um mito.
Por isso, convido os leitores a experimentarem essa mudança de paradigma, trazendo para o centro da gestão as pessoas como seres humanos completos, complexos, contraditórios, imperfeitos, mas capazes de escolhas e resultados surpreendentes quando compreendidas em sua totalidade.
No meu trabalho com consultoria e no estudo dos trabalhadores em atividades marginais, vi que essa nova abordagem não apenas potencializa resultados, mas também humaniza o ambiente de trabalho, tornando-o mais sustentável e próspero.
A gestão do futuro é comportamental — e começa agora!
Fundamentação teórica e correlações com pesquisas acadêmicas
A Economia Comportamental surge como uma intersecção inovadora entre Economia, Psicologia e Ciências Sociais, desafiando o paradigma clássico do homo economicus. Esta seção aprofunda os conceitos centrais que suportam a abordagem comportamental na gestão contemporânea.
Racionalidade limitada (Herbert A. simon)
Herbert Simon, precursor do conceito de racionalidade limitada (bounded rationality), argumenta que a capacidade humana de processar informações é finita, o que leva a decisões “satisfatórias” em vez de “ótimas”. Essa teoria reforça a necessidade de gestores entenderem as limitações cognitivas dos colaboradores, das equipes e suas próprias.
Na prática, isso significa que a estruturação do ambiente de trabalho e dos processos decisórios deve considerar simplificação e clareza, minimizando sobrecarga de informação, um ponto que apresento amplamente no artigo “Gestão P2R” publicado na REGEM (2024).
Heurísticas e viéses cognitivos (Kahneman & Tversky)
Daniel Kahneman e Amos Tversky foram pioneiros ao mostrar que o comportamento econômico é sistematicamente irracional devido a heurísticas mentais, regras simples usadas para lidar com a complexidade, mas que geram viéses previsíveis.
Esses conceitos são cruciais para a gestão de pessoas, pois ajudam a explicar:
- Erro de otimismo: colaboradores podem subestimar riscos ou desafios;
- Viés de status quo: resistência a mudanças organizacionais, mesmo que benéficas;
- Viés de grupo: conformidade que reduz diversidade de pensamento e inovação.
Nas consultorias que conduzo, o mapeamento desses viéses tem sido um instrumento para desenhar treinamentos e programas de mudança comportamental mais eficazes.
Teoria dos prospectos (Kahneman & Tversky)
A Teoria dos Prospectos explica como as pessoas avaliam perdas e ganhos de forma assimétrica, valorizando mais a evitação de perdas que a obtenção de ganhos equivalentes. Essa percepção impacta fortemente negociações, processos de feedback e programas de incentivos.
Por exemplo, a rejeição a novas metas ou processos pode ser associada ao medo da perda do conforto atual, ainda que os ganhos futuros sejam maiores. Isso demanda que gestores comuniquem mudanças considerando esse viés, um ponto que destaquei na dissertação de mestrado desenvolvida junto à UNITAU.
Estudos de caso e aplicações práticas reais
Para ilustrar como os princípios da Economia Comportamental são aplicados na prática da gestão, apresento dois estudos de caso baseados em experiências reais de consultoria e pesquisa que tive a sorte de desenvolver:
Caso a: redução do turnover em empresa de serviços em são josé dos campos
Contexto: empresa sofria com alta rotatividade e baixa motivação da equipe operacional.
Diagnóstico: através de entrevistas e análise comportamental, identificou-se forte presença do viés de aversão à perda e baixo senso de pertencimento.
Intervenção: implementação de um programa de nudge por meio de micro-recompensas (reconhecimento público, pequenos bônus) e reformulação da comunicação interna com mensagens positivas e alinhadas ao framing favorável.
Resultados: após seis meses, a rotatividade reduziu em 25% e a satisfação dos colaboradores aumentou significativamente, comprovando que ações baseadas na economia comportamental produzem impacto real.
Caso b: aumento do engajamento em universidade corporativa de indústria
Contexto: baixo engajamento em treinamentos corporativos, apesar da obrigatoriedade.
Diagnóstico: identificou-se que a forma tradicional de comunicação e oferta dos cursos não levava em conta os viéses de status quo e excesso de informação.
Intervenção: aplicação de técnicas de framing, reduzindo a complexidade do conteúdo e utilizando nudges digitais, como lembretes personalizados e gamificação leve, com feedbacks positivos.
Resultados: o índice de participação saltou 40% e houve melhora mensurável no desempenho dos treinamentos, alinhando com as melhores práticas apontadas no artigo “Universidades Corporativas: desafios e soluções para o desenvolvimento contínuo” publicado na REGEM (2024).
Desafios e dificuldades na implementação
A adoção da Economia Comportamental na gestão não está isenta de desafios:
- Resistência cultural: mudança de mentalidade para aceitar a influência de fatores comportamentais além dos números;
- Resistência da alta gestão: necessidade de convencimento da alta gestão. Em empresas de pequeno e médio portes, com faturamento até 50 milhões de reais e ou gestão familiar, minha prática evidencia aumento das dificuldades de implementação.
- Capacitação de gestores: necessidade de treinamento específico para interpretar e aplicar conceitos comportamentais;
- Mensuração de resultados: dificuldade em mensurar impactos qualitativos e comportamentais com ferramentas tradicionais.
Estes desafios foram debatidos com profundidade na minha dissertação e são temas recorrentes nas minhas consultorias, reforçando a importância de um planejamento estratégico que contemple o fator humano em sua totalidade.
Considerações e propostas de futuro
A Economia comportamental se posiciona como ferramenta indispensável para a gestão eficaz do capital humano. Empresas que a adotarem não apenas aumentarão sua performance, mas construirão ambientes de trabalho mais humanos, resilientes e inovadores.
Minha pesquisa, que cruza os estudos de atividades e perfis de trabalho com práticas empresariais avançadas, propõe uma visão integrada: entender o ser humano em sua complexidade para construir sistemas de gestão e desenvolvimento mais eficientes, justos e indubitavelmente mais lucrativos.
Convido gestores, acadêmicos e profissionais corporativos e públicos a aprofundarem esse diálogo e aplicarem essa abordagem, que certamente marcará uma nova era na administração e no desenvolvimento das pessoas, nas organizações que a adotarem.
E você? Pronta para elevar sua gestão e resultados ao próximo nível?
Citação a CARVALHO, S.
Saulo Carvalho é Mestre em Gestão e Planejamento (UNITAU) stricto-sensu. Pós-Graduado em Comunicação e Marketing Empresarial (UMESP) lato-sensu, Graduado em Administração de Marketing (UMESP). Admitido em regime especial ao Doutorado sobre Pesquisa Operacional (ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica e Universidade Federal de São Paulo).
Consultor empresarial com atuações no Brasil e América Latina. Ministra disciplinas de Administração, Marketing, Pesquisa e Planejamento Estratégico aos cursos superiores de Administração, Marketing e Engenharia. É pesquisador sobre Gestão, Marketing e Ambiente Econômico. Desenvolve e aplica pesquisas científicas sobre Gestão e Marketing.
REFERÊNCIAS
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